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Nunca tantos advogados tentaram chegar a bastonário

Sete candidatos disputam o cargo, incluindo o seu actual detentor. Classe vai a votos esta semana, mas nome do novo bastonário pode só ser conhecido em meados de Dezembro

Ana Henriques

Nunca na história das últimas décadas tantos advogados disputaram o cargo de bastonário: são sete os candidatos que concorrem às eleições que começam hoje, e cujo primeiro resultado será anunciado na quarta-feira. No último acto eleitoral, do qual Menezes Leitão saiu bastonário, tinham sido seis os concorrentes.

A proliferação de candidaturas num universo eleitoral de quase 34 mil pessoas reflecte, no entender da coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça, Conceição Gomes, a heterogeneidade de uma classe em que a proletarização coexiste com a prática individual da profissão e com os grandes escritórios.

Os interesses e aspirações de quem trabalha muitas horas a fio por um salário que pode nem chegar aos mil euros são, por isso, necessariamente distintos daqueles que se tornaram sócios de um escritório e alcançaram um patamar de conforto visto por muitos dos mais novos como dificilmente atingível.

Embora já tenha sido dado um ou outro passo nesse sentido, continuam por resolver de forma cabal problemas como a protecção social dos advogados na doença e no desemprego ou a usurpação de funções por profissões congéneres. Como profissão liberal que é, recorda a investigadora, os advogados ficaram particularmente expostos aos efeitos da pandemia e da crise social.

Quando deixam de ter clientes suficientes, os advogados não podem inscrever-se no desemprego, e quando ficam doentes o Estado não lhes paga a baixa. A classe não desconta para a Segurança Social mas para um subsistema próprio, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), que está vocacionada sobretudo para o pagamento de pensões e cuja contribuição mínima se situa neste momento em 255 euros mensais.

Um referendo realizado no ano passado sobre o assunto deliberou deixar ao critério de cada profissional continuar a beneficiar deste sistema ou transitar para o regime geral da Segurança Social. O problema é que a Assembleia da República chumbou a integração dos advogados no regime geral, que de resto teria de ser acompanhada pela entrega de compensações ao Estado pela Ordem — muito embora os deputados ainda não se tenham debruçado sobre a proposta da Ordem, e sim sobre um projecto de lei do BE.

Candidato a bastonário em 2007, o veterano Magalhães e Silva já nessa altura elencava os mesmíssimos obstáculos com que se deparava quem escolhia esta profissão. Daí que defendesse a redução das contribuições para a CPAS por parte dos jovens advogados, a par do combate à prática ilegal da advocacia por outros profissionais. São temas que continuam na berlinda nestas eleições, e aos quais se juntam as alterações que vários partidos políticos estão a tentar introduzir no funcionamento das ordens profissionais, consideradas uma forma de ingerência política pela generalidade dos candidatos.

Sem jurisdição sobre a CPAS, que funciona de forma autónoma, Menezes Leitão, candidato a um segundo mandato, chegou a acusar os actuais responsáveis desta caixa de previdência de profunda insensibilidade social, por não terem aberto os cordões à bolsa para apoiar os mais necessitados durante a pandemia.

Mas, se nesta guerra interna pode ter marcado pontos a favor da sua reeleição, essa vantagem terá sido anulada com a sua presença como convidado num congresso do Chega em Fevereiro de 2021, o que lhe valeu — juntamente com críticas à sua alegada inércia — a demissão de seis membros da sua equipa na Ordem.

Encarando a profusão de candidatos a bastonário como uma prova de vitalidade da classe — “independentemente do mérito relativo de cada um deles”, ressalva —, Magalhães e Silva antecipa que nada fique resolvido nesta primeira volta: “Com esta dispersão, nenhum dos candidatos deverá conseguir maioria absoluta à primeira.” A confirmar-se esta previsão, o nome do futuro representante máximo da classe só será conhecido a meio de Dezembro.

Bastonário entre 2002 e 2004, José Miguel Júdice recorda que são vários os países europeus em que esta votação é indirecta: são os bastonários regionais que elegem o seu representante máximo. “Ao assentar numa eleição directa, o sistema português, que é semelhante ao nórdico, propicia maior dispersão” de candidaturas, assinala. “Quando fui bastonário, havia a ideia de que o desempenho do cargo era o corolário de uma carreira. Entretanto isso deixou de ser assim — e não tem mal nenhum.”

Nessa época, o cargo ainda não era remunerado. Agora dá direito a um salário equiparado ao da procuradora-geral da República, cerca de quatro mil euros limpos. Optando por não ser bastonário em regime de exclusividade, Menezes Leitão abdicou deste pagamento.

Segundo a Direcção-Geral da Política de Justiça, em 2021 havia 33.937 advogados em exercício de funções, um número recorde. As mulheres estão em maioria: 55%. Em ambos os sexos, a faixa etária com mais expressividade situa-se entre os 40 e os 50 anos. A maioria exerce na região de Lisboa, onde se concentram 15.891 profissionais, mas a região do Porto conta já com 11.105. Em Coimbra há 3779, em Évora 1342, em Faro 1124, na Madeira 436 e nos Açores 254.

Em 2021 havia 33.937 advogados em exercício de funções, um recorde; 55% são mulheres

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2022-11-28T08:00:00.0000000Z

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