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Quem nasceu para marinheiro não sonha ser Presidente

Sónia Sapage Jornalista. Escreve à segunda-feira

Depois de ouvir as palavras do almirante Gouveia e Melo no podcast de Francisco Pinto Balsemão Deixar o Mundo Melhor, pergunto-me se estará ali o ponto final no delírio colectivo que tem sido a sua eventual candidatura a Belém. A acreditar nas palavras do actual chefe do Estado-Maior da Armada, sim, é o fim da especulação.

“Nunca desejei ter um cargo político. O meu rumo é ser marinheiro e fechar o ciclo enquanto marinheiro”, disse Henrique Gouveia e Melo. Numa viagem pelo que foi o seu percurso profissional e a sua vida até chegar a pandemia, o submarinista de 62 anos explica que o seu sonho não passa por Belém, mas sim pela carreira militar. Ser Presidente surgiu-lhe como plano B quando o caminho na Marinha parecia estar a estreitar-se.

“Houve uma altura em que pensei que a minha vida militar poderia terminar e, pensei em muitas hipóteses. Entre as hipóteses, poderiam estar hipóteses políticas. Não se materializaram, continuei a ser militar. Sempre quis o que estou a fazer e estou contente”, assumiu durante a entrevista/conversa, numa afirmação que leio como definitiva.

Também se referiu às sondagens, que na última semana o voltaram a deixar entre os desejados e os mais bem colocados para concorrer à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa. “Manifestam o agrado e a memória que a população tem do processo de vacinação. Confundir isso com um processo mais alargado e uma acção política mais alargada até me parece perigoso.” Curioso é ser o próprio a dizê-lo, aparentemente muito ciente do percurso que tem pela frente.

Imagino que, para um marinheiro, “fechar o ciclo enquanto marinheiro” signifique atingir o topo da hierarquia militar na Marinha (“A minha grande ambição sempre foi ser chefe da Marinha”, disse a Francisco Balsemão). Politicamente falando, o melhor dos postos será mesmo esse a que chegou há quase um ano, sucedendo a Mendes Calado: chefe de Estado-Maior da Armada. Talvez não tivesse sido possível sem a pandemia, mas aconteceu e Gouveia e Melo não precisou de um plano B.

É interessante referir aqui o momento e o contexto em que Gouveia e Melo pode ter pensado em mudar o rumo da sua vida (“passar à reserva”, como disse), colocando “hipóteses políticas”. Há-de ter sido naquele fim de Verão em que Marcelo Rebelo de Sousa fez saber que considerou um “atropelamento” a forma como o Governo anunciou a transição na Armada — o nome do sucessor foi tornado público quando o ainda chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Mendes Calado, estava a mais de um ano do fim do mandato. “Quando for o momento, só uma pessoa tem o poder de decisão e essa pessoa é o Presidente”, disse Marcelo, depois de esclarecidos os “equívocos”.

Quando, meses mais tarde, se efectivou a sucessão, as palavras de Mendes Calado deixaram perceber o desconforto: “Deixo a Marinha não por vontade própria, pois os que me conhecem não entenderiam que abandonasse o leme da nossa Marinha depois de tanto resistir ao temporal que nos assolou nos últimos tempos.”

Após um processo que se revelou doloroso, ficou ao leme o marinheiro que — apesar de ter muita experiência em comandar: submarinos, fragatas, processos de vacinação — só quer ser marinheiro. Já antes tinha dito algo parecido. Repetiu a ideia esta semana. Mas tenho para mim que o seu nome há-de continuar na lista dos presidenciáveis. A quem interessará esse cenário? Que apoios estará a guardar e para quem?

Política

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2022-11-28T08:00:00.0000000Z

2022-11-28T08:00:00.0000000Z

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