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Referendo à regionalização em 2024 perde força no PS e pode cair

A revisão constitucional proposta por PS e PSD não prevê alterações ao artigo que fala em regionalização. No PS, o silêncio sobre o tema pode significar que o referendo prometido para 2024 pode não acontecer

Liliana Borges

A realização de um referendo sobre a regionalização em 2024 está no programa do Governo para esta legislatura, mas os socialistas não propõem qualquer mudança às alíneas da Constituição para facilitar um “sim” à reforma. Uma vez que eventuais alterações às regiões administrativas dependem obrigatoriamente da realização de um referendo — que exige não apenas um “sim” nacional, mas também região a região —, há quem veja na omissão do PS um sinal de que a regionalização poderá já não avançar nesta legislatura. Há um ano, o primeiroministro, António Costa, prometeu a realização de um referendo em 2024, mas o líder do PSD, Luís Montenegro, considera que essa matéria não é premente e não deve ser tratada num contexto de crise como o que vivemos.

Ao PÚBLICO, fonte do PS explica que, estrategicamente, os socialistas optaram por não propor “reformas institucionais” nesta revisão constitucional — daí não admitirem alterações ao sistema eleitoral ou político, como sugere o PSD, por exemplo. E nota que, embora o PSD admita a possibilidade de realizar um referendo em simultâneo com eleições, “não tenta simplificar o referendo da regionalização”. Sem avanços, mas também negando recuos, resta, “no momento próprio”, fazer uma “avaliação das condições políticas”.

Em causa estão duas condicionantes: por um lado, o desejo expresso por Costa de ter o apoio do segundo maior partido numa alteração desta dimensão; por outro lado, a obrigatoriedade de, para ser vinculativo, o referendo precisar de uma participação eleitoral superior a 50%.

A exigência de realizar um referendo recua a um entendimento entre o então primeiro-ministro socialista António Guterres e o líder do PSD na altura (e actual Presidente da República), Marcelo Rebelo de Sousa. Os líderes dos dois maiores partidos assinaram um acordo para a revisão constitucional de 1997 e foi nessa intervenção que a regionalização foi “blindada” com a exigência de uma consulta “de alcance nacional e relativa a cada área regional”.

Ou seja, segundo o artigo 256.º, um referendo sobre a regionalização terá, obrigatoriamente, de ter duas perguntas: uma sobre o mapa e outra sobre a criação em concreto de cada região a que respondem os eleitores recenseados nessa área. E só se o “sim” for transversal a todas as questões e a todas as regiões é que o processo poderá avançar.

Um ano depois da revisão constitucional acordada entre Guterres e Marcelo, o referendo à regionalização de 1998 chumbou, com mais de 60% dos eleitores a responderem “não” às duas perguntas — pergunta 1: “Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?”; pergunta 2: “Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?”

Agora, nem o PS nem o PSD dão sinais de querer flexibilizar esta exigência. Um “erro com consequências pesadas” que já foi entretanto apontado pelo ex-ministro e ex-presidente da Comissão Independente para a Descentralização, João Cravinho.

Porém, a interpretação do artigo 256.º não é consensual. Na leitura do constitucionalista Jorge Miranda, o que a Constituição exige é “uma maioria favorável a nível do país e, quanto a cada uma das regiões propostas, tem de haver uma maioria favorável”. “Ou seja, se há dez regiões e se uma não dá voto favorável, isso não impede que sejam constituídas as outras nove”, afirmou em entrevista à TSF/JN.

Miranda aponta uma solução para contornar o bloqueio constitucional que não exige mudanças na lei fundamental. “Eu manteria o preceito constitucional, exigindo os dois referendos”, isto é, separando as duas perguntas exigidas em dois plebiscitos. “Tem [é] de ser favorável a nível nacional e regional.”

A posição do PSD

Além das especificidades do referendo, há também do lado do PS o desejo de avançar num processo com esta relevância em conjunto com o PSD. Aliás, logo no programa socialista é possível ler que a discussão sobre a regionalização deverá ser feita “em termos que permitam, de forma serena e responsável, reabrir o debate”. Isto é, com a concordância dos dois maiores partidos, que, embora não seja exigida, é fundamental para António Costa por se tratar de uma matéria de regime.

Ora, quando Costa prometeu novo referendo para 2024, isto já depois de ter chegado a admitir que não seria possível avançar na regionalização enquanto Marcelo Rebelo de Sousa estiver em Belém (o Presidente opõe-se a esta reforma), o líder do PSD era Rui Rio, que declarou ter “abertura” em relação à regionalização e que concordava com a realização de um referendo.

No entanto, com Luís Montenegro o cenário é agora diferente. O líder do PSD já afirmou que “fazer um referendo neste quadro crítico e delicado seria uma irresponsabilidade, uma precipitação e um erro”. Não obstante, Montenegro também já disse que o Governo “tem todo o direito de avançar”, ainda que sozinho, pois tem o apoio parlamentar da maioria absoluta do PS. “O que não vai ter é o aval e a cobertura do PSD”, frisou.

E, embora não toque no tema da regionalização em toda a revisão constitucional, foi o PSD que trouxe o tema dos referendos à mesa de discussão da revisão constitucional com a sua proposta de alteração. Os sociais-democratas pedem que seja feita uma alteração ao regime do referendo que permita a realização de referendos no mesmo dia de eleições (eliminando o n.º 7 do artigo 115.º). Tal alteração permitiria, por exemplo, realizar um referendo à regionalização em simultâneo com as eleições europeias (as próximas são em 2024). Mas é o mais longe que o PSD vai.

Política Processo De Revisão Constitucional

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2022-11-28T08:00:00.0000000Z

2022-11-28T08:00:00.0000000Z

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