Há coisas que são tão conhecidas que esse conhecimento as torna desconhecidas. É o caso dos Peanuts de Charles Schulz. Toda a gente reconhece os personagens do Peanuts, mas quantas pessoas os leram como eles foram feitos para ser lidos?

É comovente ver a homenagem que fizeram a Schulz por ocasião do centenário — está no Schulz.org —, porque a grande maioria dos colegas cartunistas também trabalha no comic strip, as tirinhas com três ou quatro desenhos que aparecem nos jornais diários: a banda desenhada.

É quando estou a ler um jornal em papel — como a edição internacional do New York Times — que aprecio o Peanuts. É uma tira de cada vez, acompanhada por outras tiras com desenhos e conceitos muito diferentes: a comics page.

Não sei quem é que escolhe as tiras para cada dia, mas são muito bem escolhidas, quase como se Schulz (que morreu em 2000) ainda estivesse vivo.

O contexto é importante. É depois de sair da seriedade de um jornal inteiro, do tom de fim do mundo, que o Peanuts mais salta à vista e toca ao coração. Chateio com o contexto porque os Peanuts eram tão bons que funcionavam magnificamente fora do contexto. Mas agora é altura de os recontextualizar.

Foram os meus pais que me puseram a ler o Peanuts. Juntamente com o Tintin e o Astérix, constituíam a trilogia do que era adultamente aceitável no mundo da banda desenhada.

Caí na asneira de tentar coleccionar as obras completas mas desisti ao fim de quatro volumes, porque não era bom ler Schulz de forma tão intensiva e concentrada, até porque muitas tiras são necessariamente repetitivas e desinspiradas.

Quanto aos filmes, o melhor é não dizer nada, tal é o horror.

Mas pior do que tratá-lo como Tolstoy é reduzi-lo a criador do Charlie Brown e do Snoopy. Arrancar os personagens — às vezes só as figuras — ao emaranhado de relações do Peanuts é uma violência imperdoável, uma selvajaria, um assassinato cultural.

Os Peanuts são clássicos humanistas que nos transcendem.